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O acampamento

Cenas de afegãos dormindo no chão do aeroporto de Guarulhos chamaram a atenção dos brasileiros. Muitos foram ajudar. O que aconteceu lá?

Sair de uma situação de perigo é um alívio. Talvez, um dos maiores que existem. Muitos podem atestar esse sentimento: segundo levantamento do Acnur, são mais de 120 milhões de refugiados em todo o planeta.

Nos relatos ouvidos pela reportagem, as horas e horas de voo são tingidas por uma miríade de sentimentos. Desafogo e sossego por ter escapado, medo e ansiedade pelo que virá.

O avião pousa, os passageiros se levantam muitos minutos antes da abertura das portas – congestionando o corredor – e é chegada a hora de conhecer a nova morada.

Placas ilegíveis, pessoas indistinguíveis, nenhuma internet ou conhecidos. Ninguém pode responder a sua língua. Como sair daqui? E para onde ir? Perguntas, em um primeiro momento, sem resposta.

“Eu achava que teria alguém do governo brasileiro nos esperando”, relata Esmatullah Mohsini, afegão de 21 anos que chegou no Brasil em setembro de 2022. Não foi o caso.

Egresso de um vilarejo pequeno no norte do Afeganistão, região próxima ao Uzbequistão, Esmatullah não falava outra língua senão o dari, versão afegã do persa. Dessa forma, placas em português, inglês ou espanhol não eram de ajuda alguma. Muito menos as orientações dos funcionários do aeroporto.

Em desalento, sentou-se nas cadeiras do aeroporto pensando no que seria da vida agora. Tinha visto fotos do Brasil, do país tropical – mas não fazia ideia de onde encontrar a beleza por natureza, o carnaval, o fusca, o violão e a Tereza.

Sentiu um cutucão e ouviu uma pergunta em persa.

“Você é afegão?”

“Sou sim.”

“Eu vou te mostrar onde ficamos. Só vou na farmácia do aeroporto comprar um remédio para a minha filha, e volto”, disse uma mulher, da qual Esmatullah não se lembra da identidade.

A boa samaritana cumpriu a promessa, e levou-o para onde “os afegãos estavam ficando”.

Esmatullah não sabia o que esperar, mas certamente não um acampamento. No mezanino do Terminal 2 do aeroporto de Guarulhos, estavam espalhados pelas cadeiras cobertores, lençóis, malas, barracas e pessoas. Por dois meses, essa seria a sua casa.

 

O mezanino
do Terminal 2

O mezanino do Terminal 2 serviu de abrigo para centenas de imigrantes afegãos que chegaram por via aérea no Brasil. No auge da ocupação, no final de 2022, eram 400  nacionais ocupando o mesmo espaço. A maior parte deles chegou entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro semestre de 2023, mas houve picos menores de ocupação antes e depois desse momento.

Apesar de o visto ter começado a ser emitido em setembro de 2021, levou algum tempo para que muitos imigrantes começassem a receber a documentação de entrada no Brasil e pudessem comprar as passagens aéreas para vir.

A explicação para o local do acampamento é simples: naquele andar fica o Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante. Lá, encontravam algum suporte e informações.

O local é mantido pela prefeitura de Guarulhos. A ideia era oferecer abrigo a pessoas deportadas ou não admitidas, mas acabou servindo para ajudar no momento mais agudo da emergência de refúgio. A identificação de possíveis vítimas de tráfico humano também faz parte do escopo do trabalho do Posto Humanitário. Quase sempre, funciona durante 24 horas por dia. Durante a pandemia, inclusive durante a chegada mais expressiva dos afegãos, ele fechava durante a noite.

A prefeitura guarulhense ofereceu alimento, kits de higiene e cobertores para quem estava por ali.

 

Os motivos

A resposta simples para o porquê dos migrantes afegãos se aglomerarem naquele espaço é: não havia para onde ir. Não havia abrigos suficientes em Guarulhos ou São Paulo para abrigar todas aquelas pessoas, ao mesmo tempo.

Naquele momento, havia poucas opções de abrigo para imigrantes, e os que existiam, não comportavam as demandas da cultura afegã.

Em geral, as organizações do terceiro setor e os abrigos públicos dividem as famílias entre homens e mulheres, em dormitórios separados. Na cultura afegã, não é comum que as mulheres fiquem sozinhas – ou seja, sem seus pais ou maridos. Por esse motivo, algumas famílias imigrantes preferiam continuar vivendo no saguão do aeroporto do que estarem separadas em abrigos.

A imprensa coleciona relatos de afegãos que se instalaram em Guarulhos. É possível argumentar que foi o período da imigração afegã no Brasil com maior cobertura midiática.

Uma reportagem da Folha de S.Paulo ilustrou a questão dos abrigos, que foi um ponto central da dificuldade de escoamento do aeroporto.

Publicada em 13 de abril de 2022, ela conta a história de um casal e seus três filhos, que buscavam abrigo após chegarem no Brasil, fugindo de ameaças de talibãs à sua integridade física.

Foram levados para um abrigo que acolhe pessoas em situação de rua em Guarulhos, uma vez que, naquele momento, não havia abrigos para imigrantes na cidade. Foram separados: a mãe e a filha foram para um alojamento feminino, o pai e os filhos para um masculino. Logo saíram. Disseram que sofreram ameaças e não puderam ficar.

“Tentaram pegar meu celular, era um lugar com mulheres perigosas. Chorei a noite inteira. Espero que mais nenhuma família tenha que ir para lá. Foi muito sofrido”, disse a esposa à jornalista Flávia Mantovani. Acabaram voltando para o aeroporto.

Depois, foram levados ao centro de São Paulo, em busca de um abrigo para imigrantes. Não encontraram vagas, e às 22 horas retornaram para o aeroporto. Essa foi a rotina de muitas outras famílias.

Em entrevista à TV Cultura em junho de 2023, a afegã Nooria Sharifi, com a ajuda de um tradutor, relatou o que enfrentava durante sua estadia no aeroporto. No momento, ela estava há 16 dias acampada no mezanino, esperando orientações do governo do estado ou da prefeitura de Guarulhos de onde ir.

Não havia tomado banho desde o dia que chegou. A higiene foi um dos principais problemas enfrentados pelos afegãos na residência temporária.

 

Proliferação
de doenças

É fácil entender porque doenças se espalharam entre os imigrantes naquele momento. Um acampamento improvisado, onde pessoas de diferentes regiões de um país dormem juntas e vivem em condições precárias de higiene, tornou-se um foco de doenças.

O caso mais emblemático do período onde houve mais afegãos no aeroporto foi o espalhamento da escabiose, doença popularmente conhecida como sarna. Uma reportagem do G1, de 26 de junho de 2023, registrou o surto.

Naquele momento, ao menos 20 afegãos instalados nas dependências do aeroporto internacional foram diagnosticados com a doença.

Provocada pela variedade hominis do ácaro Sarcoptes scabiei, a sarna humana provoca lesões e intensa coceira na pele. Ela é transmitida entre pessoas que têm contato próximo, e também pelo compartilhamento de roupas, lençóis, toalhas e outros objetos de uso frequente. O tratamento é feito usando medicações tópicas. As informações são da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

ONGs como a Afghan Refugee Rescue Organization (ARRO), o Coletivo Frente Afegã e o Projeto Abarcar, agiram tentando obter atendimento médico e a liberação do uso dos banheiros do aeroporto para a higienização de imigrantes.

Segundo Ana Paula Oliveira, vice-presidente da ARRO, a ONG ainda faz “ações de banho” quando necessário no aeroporto. Buscam imigrantes que aguardam alocação para levá-los a locais onde podem tomar banho e lhes dão um kit de higiene.

Na época, a prefeitura de Guarulhos disse em nota que ofereceu atendimento médico aos imigrantes no próprio saguão, e ofereceu os medicamentos da prescrição médica de forma gratuita. Disse ainda que não era responsabilidade da entidade oferecer esse tratamento.

A concessionária que controla o aeroporto também se pronunciou, dizendo que reforçara a higiene dos sanitários e oferecera acesso limitado dos imigrantes aos vestiários, uma vez que os espaços eram reservados ao uso de funcionários.

Oliveira lembra que houveram surtos de outras doenças, como gripe e resfriado, além de um segundo surto de escabiose em janeiro de 2024.

 

Saúde debilitada

A situação da saúde pública no Afeganistão é complicada. Como de praxe, há poucos dados públicos sobre o assunto.

Uma reportagem publicada pela revista britânica The Economist em dezembro de 2021 apurou as condições precárias que algumas comunidades afegãs enfrentam.

Segundo a reportagem, cerca de três quartos do orçamento do governo afegão dependia de doações de países estrangeiros, sobretudo dos Estados Unidos. A injeção de dinheiro cessou com o fim da ocupação dos americanos e a retomada do governo do Talibã.

A área da saúde foi uma das vítimas da falta de dinheiro. Sem repasses do governo para a compra de medicamentos, insumos e equipamentos, os hospitais começavam a definhar – isto, em 2021.

Os reflexos do que acontece lá, por consequência, chegam aqui.

Sindy Nobre, vice-presidente da ONG Panagah, relata que esta é uma das primeiras preocupações da entidade no momento do acolhimento de afegãos.

“Eles chegam sem carteira de vacinação, e não sabendo quais tomaram. Normalmente, são poucas. Quando vêm para cá [Jundiaí, interior de São Paulo], logo vacinamos adultos e crianças, com todas as vacinas que o SUS recomenda”, disse.

Ela relata que, por não acompanharem a saúde de perto, imigrantes chegam com subdiagnosticados e subtratados. “Muitos nem sabiam que tinham coisas graves, como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos. Ficaram sabendo por aqui, quando fomos cuidar.”

A ONG também faz testes de poliomielite, uma doença que foi erradicada no Brasil, mas não no Afeganistão.

Este não é o caso de todos os imigrantes. Há aqueles que não dependiam da saúde pública do Afeganistão e usavam o sistema privado, que oferecia melhores condições. Faziam consultas e exames periódicos e tinham as vacinas em dia quando estavam em seu país.

 

Movimentação
de voluntários

Antes de se tornar a vice-presidente da ARRO, Ana Paula Oliveira passou muito tempo no mezanino do Terminal 2. Ao ver o acampamento de afegãos no aeroporto em telejornais, foi motivada a tentar ajudá-los em agosto de 2022.

No mesmo mês, ela conheceu um afegão pela internet, que procurava ajuda antes da viagem para o Brasil. Ana ajudou-o com a documentação em português, e procurou uma ONG que pudesse ajudá-la na missão de recebê-lo no país.

Encontrou nas redes sociais o coletivo Frente Afegã, que reuniu voluntários para fazer visitas ao aeroporto, levando alimento, cobertores, roupas novas e fazendo “operações de banho”. Entrou em contato com os voluntários, que disseram a ela que receberiam seu amigo.

“Quando eu cheguei no aeroporto foi um baque. Eu não esperava. Quando falaram [o coletivo] que iriam recebê-lo [Said], eu não imaginei que seria arrumar um espacinho para ele no aeroporto”, lembrou.

“Eu peguei o pico ali, eram quase 400 pessoas no mezanino. Foi mais ou menos entre novembro e dezembro [de 2023]. Chegavam famílias com mulheres grávidas, com Covid, com crianças doentes, tínhamos que levar todo mundo ao médico”.

Ali, conheceu os afegãos com quem fundaria a ARRO.

A sobrevivência no aeroporto se deu com a ajuda de todos que conseguiram. Funcionários do local chegaram a comprar refeições do próprio bolso para dar aos refugiados.

Entre voluntários, curiosos, agentes do governo federal, da prefeitura de Guarulhos, da concessionária do aeroporto, do Acnur, da OIM – no momento mais tenso da situação, todos forneceram alimentos, roupas, kits de higiene e tentaram procurar abrigo para os refugiados. É o que contam os relatos de imigrantes dados à reportagem.

“A gente voltava para ajudar”, disse Esmatullah Mohsini, de quem contamos a história no início da reportagem. Ele foi destinado a um abrigo na zona leste da capital paulista, em Itaquera. Ficou pouco tempo por lá, logo foi morar com um casal de brasileiros em Osasco. Depois de melhor estabelecido, foi algumas vezes ao aeroporto tentar ajudar na tradução das conversas no aeroporto.

Diante de uma situação de emergência como esta, não é raro que setores da sociedade se mobilizem para amenizar o sofrimento. Com o tempo, soluções foram criadas, e a movimentação se dispersou. 

 

De quem é a
responsabilidade?

O Brasil foi o único país a oferecer uma possibilidade de escape tão rápido e desburocratizado para refugiados afegãos. O gesto é simbólico e importante: o Afeganistão é um país com um histórico complicado diplomaticamente, e atrai a solidariedade de poucas nações.

A abertura de um visto humanitário, que apesar de ter seus obstáculos, oferece uma opção para cidadãos que desejam evacuar uma situação de conflito, é um atestado de que a política brasileira de manter as portas abertas para a imigração é uma intenção real.

É preciso chamar a atenção, no entanto, às dificuldades enfrentadas pelos refugiados e à falta de preparo para a recepção dos afegãos.

Levantar possibilidades é o mais fácil a se fazer. Seriam o Ministério da Justiça e o Conare responsáveis por criar uma estratégia de recepção? Ou permitir a vinda já é uma abertura suficiente? As embaixadas deveriam ter limitado a emissão de vistos? Ou vai contra a política de imigração brasileira selecionar e limitar a imigração?

A prefeitura de Guarulhos ofereceu ajuda para os migrantes, com alimentação e auxílio médico. Ainda, encaminhou alguns para os abrigos que tinham vagas, que em sua maioria, atendem pessoas em situação de rua.

Em nota, a entidade declarou que não considera o acolhimento de refugiados que acampam no aeroporto como responsabilidade da prefeitura da cidade.

“Apesar desta questão não ser de responsabilidade do município, a Prefeitura de Guarulhos informa que segue acompanhando a situação dos afegãos acampados. Inicialmente não dá para se prever o fluxo de refugiados que ainda podem desembarcar em Guarulhos ao longo deste ano”, declarou em nota à imprensa em agosto de 2023. Outras declarações similares foram dadas em anos anteriores.

O prefeito Gustavo Henric Costa, conhecido como Guti, foi eleito pelo PSB em 2020. Em repetidas entrevistas, declarou que eram necessários projetos de interiorização – ou seja, que levassem os imigrantes para cidades no interior, desafogando a demanda por abrigo em Guarulhos e na capital paulista. O assunto será abordado adiante com maior extensão.

Outra tentativa de mitigar o caos no acolhimento foi um pedido da prefeitura de Guarulhos ao governo federal para que a cidade fosse declarada uma cidade de fronteira. Com essa distinção, o município estaria apto a receber verbas e proteções destinadas a locais que recebem muitos estrangeiros e refugiados. A medida facilitaria a construção de abrigos públicos, por exemplo.

Segundo a prefeitura de Guarulhos, o contato com a federação é diário, mas o pedido ainda não obteve resposta.

A advogada Eliza Donda, que atua na defesa de imigrantes, sobretudo aqueles que apoiados pela Missão Paz, explica que nem a Constituição Federal de 1988, nem a Lei de Migração, determinam regras para o acolhimento de refugiados. Elas dispõem que os imigrantes devem gozar dos mesmos direitos que os brasileiros: direito à saúde pública, à educação pública, à segurança, ao emprego, entre outros. Mais recentemente, foi aprovada a inclusão de refugiados no Cadastro Único, permitindo que participem de programas de transferência de renda como o Bolsa Família.

No entanto, a lei brasileira não atribui responsáveis pelo acolhimento – quem deve receber, abrigar, alimentar e cuidar da saúde deles em um primeiro momento. Com todos os acessos aos direitos dos brasileiros, é esperado que se estabeleçam aos poucos, usando dessas ferramentas. Em casos como o dos afegãos, onde as línguas, culturas e o câmbio são tão diferentes, essa integração é difícil sem auxílio.

Com isso, a missão de ajudar acaba recaindo sobre o terceiro setor.

 

Aos poucos,
o abrigamento

Vez ou outra, ainda há afegãos acampados em Guarulhos.

Abrigos construídos na cidade e em outras ao redor aceleram o escoamento de pessoas do mezanino – “não se fica mais lá por tanto tempo”, disse Ana Paula Oliveira, da ARRO.

Há abrigos temporários erguidos de forma que acomode as necessidades familiares de afegãos, sobretudo a de manter as famílias numerosas juntas.

A primeira opção de alojamento são os abrigos públicos: há instalações em Guarulhos, que agora conta com mais de 2 mil vagas para imigrantes, Itaquera (zona leste de São Paulo), Brás, Poá e Praia Grande.

Um levantamento do Acnur de julho aponta que há 1.077 vagas em abrigos que podem ser acessadas por afegãos. Até o momento, foram 7.048 afegãos atendidos pelo Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante.

A inauguração mais recente foi a do centro de acolhimento Terra Nova III, em Cotia, na Grande São Paulo. Aberto no final de março, tem capacidade para receber 150 pessoas. Enquanto estão lá, recebem apoio para regularizar documentos, encontrar trabalho, colocar os filhos na escola e aprender o português. Cada abrigo possui seu tempo de estadia estipulado, geralmente entre dois e seis meses.

Estas e outras residências transitórias foram construídas com auxílio financeiro e estrutural dos governos federal, estadual e municipal, além de organizações como o Acnur, a OIM e a Cáritas.

A principal queixa dos imigrantes em relação aos novos abrigos é a localização. Em bairros afastados ou em cidades que são próximas da capital, mas que também estão a horas de distância do centro expandido, eles acabam encontrando obstáculos e gastos na hora de buscar emprego e resolver burocracias.

“A migração é periférica, ela não é central”, diz Donda.

Há vagas oferecidas por organizações do terceiro setor. São muito procuradas pela localização centralizada, sobretudo por homens que chegam sozinhos. A Casa do Migrante, da Missão Paz, por exemplo, fica na região do Glicério, centro de São Paulo.

Lá, podem ficar em dormitórios no formato tradicional (separados por gênero) durante três meses. Nesse período, recebem toda a assistência.

“Pode parecer pouco tempo, mas acreditamos que nesse período a pessoa já vai ter ao menos começado a aprender português, tenha o seu Cartão SUS, esteja inscrito no Bolsa Família, tenha sua carteira de trabalho e uma noção de como funciona o Brasil”, explica a advogada. “Dali, ou vão para abrigos que oferecem um acolhimento mais longo, ou procuram alugar sua casa”.

Depois que saem das dependências da Casa do Migrante, eles ainda podem procurar a casa para cursos, assistência social, financeira e outras formas de acolhimento.

Há ONGs que criaram pequenas comunidades afegãs, e que adaptaram as dependências para receber famílias dessa nacionalidade.

A Cáritas é uma das organizações mais antigas e mais reconhecidas no acolhimento de refugiados. Presente em diversos países, também atua no Brasil. Por aqui, conduziram pesquisas em conjunto com o Acnur, a OIM e a Secretaria de Assistência Social da capital paulista.

Lá, há o acolhimento em formato de república. As famílias vivem em seus próprios alojamentos, em uma espécie de comunidade. A ideia é ser a última instância de acolhimento antes da independência dos imigrantes no país.

Diego Anacleto, coordenador de assistência social da Cáritas em São Paulo, ajudou na compreensão do modelo.

Lá, é priorizada a preservação cultural e o trabalho “de formiguinha” é feito para que as famílias conquistem a autonomia no Brasil.

A consciência financeira também é uma parte importante do processo. Os assistentes sociais ajudam com o planejamento da vida financeira das famílias, com o objetivo principal de conseguir a locação de um imóvel.

Anacleto relata que algumas famílias sentem falta do conforto com que viviam no país natal, e têm dificuldades em levar uma vida como as que os brasileiros de classes mais baixas levam. No fim, cada um se adapta como dá.

Em cidades no interior de São Paulo e em outros estados, há ONGs que formam pequenas colônias de afegãos.

É o exemplo da Panagah, que, em parceria com as prefeituras de Jundiaí e Campo Limpo, recebem e instalam afegãos na cidade. A prefeitura ajuda a ONG nos cuidados com a saúde e educação dos imigrantes, enquanto a organização cuida da parte da socialização.

A entidade também envia pessoas para outros estados, para que fiquem sob os cuidados de instituições parceiras. Nova Iguaçu e Goiânia são exemplos.

“Temos uma quantidade ideal de umas três ou quatro famílias por vizinhança. Mais do que isso, eles acabam se isolando dentro da comunidade. Menos do que isso, saem muito pouco e não socializam”, afirma Sindy Nobre, da Panagah.

 

Crenças em jogo

Muitos afegãos foram para o Paraná. Lá, o amparo tem foco religioso. Membros de igrejas evangélicas da região criaram uma vila chamada Cidade do Refúgio, com capacidade para acolher até 100 pessoas, em um projeto nomeado Missão em Apoio à Igreja Sofredora (Mais), na região metropolitana de Curitiba.

A missão se propõe a acolher refugiados afegãos cristão – uma minoria no país de origem, que é perseguida pelo Talibã. A vila tem uma mistura de alojamentos e casas. O acolhimento de pessoas acontece mediante à prática da religião ou à conversão.

Há outros projetos dentre os citados na reportagem que possuem financiamento de instituições cristããs, como a Cáritas e a Missão Paz, ambas católicas. A diferença entre elas e a Mais é que não é necessário participar das atividades religiosas ou aderir ao catolicismo para receber atendimento. Segundo Donda, a maior parte dos assistidos pela Casa do Migrante são fiéis islâmicos.

O projeto não foi idealizado para atender às demandas de abrigo dos afegãos no Brasil. Ele foi criado pelo americano Weston Lee Rayborn, como um refúgio para cristãos perseguidos religiosamente ao redor do globo. A chegada dos afegãos veio a calhar.

Lá, os imigrantes que já chegaram ajudam na construção de novas casas, e recebem doações e assistência.

Há poucas informações disponíveis sobre quem é Rayborn, como virou diretor da operação, e o financiamento da iniciativa. O que se sabe é que a Cidade do Refúgio está ligada à Comissão Internacional de Liberdade Religiosa dos Estados Unidos. Questionados sobre o assunto pela reportagem, não responderam.

A busca por moradia fixa continua. Há aqueles que conseguiram alugar seus próprios imóveis, outros moram com outras famílias imigrantes até encontrar um novo lar, e assim caminha a comunidade. Há também aqueles que desistem do sul, e migram mais uma vez em direção ao norte, como você pode conferir nesta reportagem.

Um visto, duas portarias